Leitura
Nesta aula iremos trabalhar conceitualmente o som e começar a entender que tipo de matéria iremos manipular. Entendendo um pouco da história, da visão teórica mais bem aceita, e também uma metodologia de classificação que nos auxiliará em nosso workflow.
Primeiro Cinema e experiências sonoras
É de comum conhecimento que o “Cinema Falado” foi inaugurado em 1927 com o filme “O Cantor de Jazz”, da Warner Brothers Pictures. Este foi o primeiro filme a ser exibido com sincronia entre som da fala e movimento dos lábios, utilizando a tecnologia chamada de Vitaphone, inventada em 1915 e comprada pela Warner em 1925.
O que pouca gente comenta é que no longo período de 32 anos desde a invenção do cinematógrafo até aquele 6 de outubro de 1927, o som sempre esteve ali presente, e era motivo de atenção e preocupação dos primeiros realizadores.
Diversas foram as formas de acompanhamento sonoro das imagens. A mais comum era a execução de uma trilha musical em um piano, posicionado próximo à tela. Muitas vezes o diretor do filme encomendava partituras ou escrevia indicações de como deveria soar a música que acompanharia o filme, deixando livre para o músico do cinema improvisar em cada cena. Orquestras grandiosas, em exibições nas salas de cinema maiores, também eram frequentes.
Vale também mencionar experiências mais ousadas como os “benshi”, no Japão. Os “benshi” eram dubladores e/ou narradores que ficavam escondidos atrá da tela “dublando” e narrando o filme em tempo real.
(...)no Japão, existiam os benshi, pessoas que também tinham a função de explicar o que estava passando na tela do cinema. Essa espécie de dublador ou narrador fazia, durante o filme todo, vozes de crianças, velhos, homens, mulheres. Tinham que interpretar todos os tipos de emoções, como chorar, dar risada, gritar, sussurrar, etc (Mayara Texeira de Lima, UFU, Uberlândia, 2017)
Ou seja, mesmo no período conhecido como Cinema Mudo, o som já estava presente, sendo pensado e executado, trazendo realismo e emoção, modulando a experiência imagética que o cinematógrafo proporcionava.
Vitaphone e Movietone
“O Cantor de Jazz”, primeiro filme falado, usava uma tecnologia que logo ficou ultrapassada, patenteada como Vitaphone. Esse dispositivo não alcançou mais que quatro anos de uso comercial, tendo sido abandonado pela própria Warner. Ele usava um sinal elétrico para disparar, ao mesmo tempo, um disco com leitor mecânico de som, semelhante a um reprodutor de vinil, e o projetor cinematográfico. A sincronia era garantida pelo sinal elétrico, mas não pelo tipo de mídia. Com isso ocorriam diversos problemas no decorrer da projeção, como a agulha saltar e perder o ponto de sincronia.
À mesma época, a Fox Films adquiria o Movietone, tecnologia que gravava o som em película, por meio de uma impressão de registro de luz. O então chamado “som óptico” se revelou mais confiável e prático que o Vitaphone, e se tornou o padrão da indústria dos anos 30 em diante.
Desenvolvimento Tecnológico do Áudio
Nos mais de 60 anos que separam o surgimento do som sincronizado do desenvolvimento e consolidação do processamento digital de áudio em Cinema, diversas tecnologias foram inventadas e permitiram uma reprodução de som com cada vez menos ruídos, mais recursos e mais possibilidades criativas. Vale destacar o surgimento da gravação em três bandas para posterior mixagem: vozes, ruídos e música. A invenção da gravação de som com vara boom, na década de 40. O início da estereofonia, com o filme “Fantasia (1941)”, da Disney. Também destacamos a popularização dos gravadores portáteis Nagra nos anos 60. A época em que o som de alta fidelidade passou a ser manipulado em fita magnética, e depois sua volta ao sistema óptico na década de 70 e, finalmente, o surgimento do sistema Dolby Digital em 90. Por um certo período, o sistema da Dolby, que traduzia informação de bits para um estreito pedaço da película, endereçando seis canais de saída - o conhecido 5.1 - foi o padrão de exibição da indústria.
A revolução definitiva, que descreve o momento em que vivemos hoje, foi a passagem da exibição em película para o arquivo digital. Isto criou o mais recente padrão da indústria cinematográfica e também dos outros meios audiovisuais, como internet e televisão, surgindo, pela primeira vez, uma universalidade do meio de reprodução do som, o arquivo digital, que podemos criar, manipular e exportar em nossos próprios computadores!
DAW
O que é uma DAW? Do inglês Digital Audio Workstation, é a estação de trabalho onde se pode realizar todas as etapas da produção de áudio digitalmente, desde a gravação até a edição e mixagem. Nosso trabalho será desenvolvido em uma DAW, ou seja, apenas possuindo o software, Adobe Audition, poderemos realizar todo o trabalho para o qual, durante décadas, eram necessários diversos equipamentos, estruturas, materiais sensíveis (películas, negativos, fitas magnéticas) etc.
O Som na Teoria
Desde os surgimento do som no cinema, diversos foram os críticos e teóricos que se debruçaram para melhor tentar entender o fenômeno, suas potencialidades e relações. Destacam-se os anos 60 como uma década especialmente importante para o desenvolvimento de linguagem audiovisual, com o surgimento dos “cinemas novos” ao redor do mundo. Na teoria do som, houve, a partir daí, uma nova e vasta profusão de estudos e autores que criaram conceitos e taxonomias para descrever as experiências e relações que a nova linguagem provocava. Nos anos 70 e 80 foram publicadas diversos livros que merecem ser lidos, como a coletânea Cinema/Sound, organizada por Rick Altman. Ou a coletânea Som e Cinema, lançada em 1981 no Brasil, organizada por Jean Claude Bernardet. Em 1991, o teórico francês Michel Chion, lança o livro intitulado A Audiovisão, que condensou antigos paradigmas e estabeleceu novos para a compreensão do trabalho teórico da experiência sonora no Cinema.
Audiovisão
Para Michel Chion, nós não vemos e nem ouvimos um filme. Nós o “audiovemos”. O som não acrescenta sentido à imagem nem vice-versa, sendo em verdade, os dois tocados em justaposição, ganham um sentido único, estritamente audiovisual e indissociável. As relações entre som e imagem devem sempre levar em conta o sentido novo que elas criam quando combinadas. Usaremos esse conceito para desenvolver nossas criações com o som.
Categorias de som: modelo teórico e prático
Para desenvolvermos nosso trabalho neste curso, usaremos uma diferenciação da nossa “banda sonora” em categorias, quanto à natureza de cada som. São elas:
- Falas: diálogos, narrações, “voz over”, “voz off”, monólogos.
Aqui colocaremos todos os sons pertencentes ao universo da voz que comunica algo. Seja a fala dos personagens, do narrador ou até mesmo um grito distante de socorro.
- Ruídos: sons produzidos por objetos, movimentos ou máquinas, “bater de porta”, “passos”, “explosões”, “tiros”, “água corrente”, camadas de sons ambiente.
Aqui classificamos todos os sons que remetem a ações, objetos e ambientes. Todos os sons que não forem nem musicais nem comunicadores por meio da linguagem, estarão na nossa lista de ruídos.
- Música: música de orquestra, guitarras e outros instrumentos, sons isolados de instrumentos musicais, música tocada por uma fonte dentro do filme (um rádio, uma personagem que toca violão).
Todos os sons relativos a música serão categorizados aqui. Não importa a origem nem o sentido do som musical. Tudo o que for música entra nesta categoria.